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12 de outubro de 2011

A dama da lua Cap 3 - Luz e trevas

Uma semana se passou desde meu encontro com Asteror, a região verde e com densos bosques ficou para trás e agora eu caminho por uma área pantanosa, o local é bastante isolado e ate mesmo os animais e os piores ladrões o evitam, as arvores eram secas e sem vida e o que um dia fora um riacho agora não passava de uma corrente de um liquido negro e sujo ao qual exalava um cheiro horrível.
Com a chegada da noite eu procurei um local para dormir, felizmente avistei uma discreta nuvem de fumaça no céu, provavelmente vinha de uma fogueira feita por algum infeliz viajante que tomara a rota errada e acabara se perdendo no pântano, seguindo essa linha de raciocínio deveria haver la um acampamento e por isso eu segui a trilha de fumaça.

Não foi com um acampamento que me deparei, o que vi foi uma pequena e rústica casa feita de madeira, a casa estava em péssimo estado e ameaçava desabar caso houvesse uma forte chuva. A fumaça vinha de uma chaminé no alto da casa, eu me aproximei da pequena casa e bati na porta.
A porta se abriu lentamente, provocando um rangido como se a madeira estivesse se desgastando apenas com aquele simples movimento. Uma senhora apareceu, ela tinha um estado no mínimo deplorável, usava trapos, roupas sujas que em algum dia possuíram uma cor verde limão, hoje porem as roupas eram quase pretas de tão encardidas.
Pior que o estado das roupas porem era o estado de quem as usava, a senhora deveria ter uns noventa anos, sua pele parecia tão podre e seca quanto as arvores daquele pântano, seus cabelos eram brancos e mal-tratados, a boca da mulher deveria ter apenas uma dúzia de dentes e estes estavam amarelados e em péssimo estado.
- Boa noite minha senhora, a noite chegou e eu não tenho abrigo, a senhora poderia me deixar dormir em sua casa esta noite?
A mulher me analisou dos pés a cabeça, não sei o que ela estava pensando, na verdade nem mesmo conseguia ler direito a sua alma ela era por demais confusa, a mulher deveria ser uma bruxa do pântano, bruxos podem confundir minha leitura de almas e não raro eles vivem isolados da sociedade, por preferirem solidão, alem de que nos pântanos existem muitos materiais úteis para porções mágicas.
A mulher nada disse, entrou na casa e fez um gesto para que eu a seguisse, e eu o fiz, ao entrar no pequeno estabelecimento percebi que o interior da casa era muito pequeno, e a casa parecia ainda menor vista de dentro, havia apenas uma pequena lareira, nela um caldeirão com alguma coisa era preparado, havia também uma pequena mesa, quatro cadeiras e algumas janelas, alem disso havia um pano no chão que servia de cama.
A senhora se sentou em uma das cadeiras e eu fiz o mesmo, ela pegou duas pequenas tigelas e despejou um liquido negro em cada uma.
- Você teve sorte moça, acabei de esquentar a sopa.
- Obrigada, mas não estou com fome. – disse enquanto olhava a senhora beber com gosto o que no conceito dela era uma sopa.
Ela pareceu não se importar com o que eu disse, talvez tivesse dito aquilo só por educação sabendo que eu iria recusar.
- Eu me chamo Skall, qual o seu nome? Você é uma bruxa não é? – disse a senhora tocando com seus dedos secos uma mecha do meu cabelo.
- Miria – achava que já era hora de inventar um nome humano para mim – não sou uma bruxa... apenas uma viajante.
Skall acabou de beber a sua sopa, e começou a beber a sopa de minha tigela.
- Passam viajantes aqui, de vez em quando, eles pensam que eu sou uma bruxa, velha e louca. – disse a mulher com uma risada rouca que mais se parecia com um acesso de tose.
Eu nada respondi, apenas encarei a mulher com um olhar interessado, enquanto a ouvia falar, como eu estava em silencio ela prosseguiu.
- Não sou nenhuma das três coisas.
Fiquei intrigada por um curto momento, mas logo compreendi, ela poderia não ser mesmo uma bruxa, na verdade bruxas não são necessariamente velhas e feias com enormes verrugas no rosto (e por sinal ela tinha muitas verrugas), elas são pessoas comuns, e é possível notar uma aura mágica ao redor delas, eu não havia sentido aura nenhuma ao redor de Skall, claro que ela poderia estar me enganando do mesmo jeito que atrapalhara a minha leitura de almas, mas não era isso, ela nunca conseguira enganar meus poderes, a verdade é que a alma dela era por si só extremamente complicada de ser ler, ou melhor eu consigo ler mas os sentimentos são tão confusos e ambíguos que não consigo interpretá-los, alem do mais, na casa de Skall não haviam ervas para porções nem amuletos mágicos ou animais, é comum os bruxos terem animais a quão chamam de familiares, podem ser os famosos gatos, ou então cães ou aves, ela não tinha nada que lhe identificasse como uma bruxa então provavelmente não era uma.
Voltei minha atenção para Skall e perguntei com uma curiosidade sutil.
- Você disse que não é velha, quantos anos a senhora tem?
- Pode não acreditar, mas eu tenho apenas quarenta e dois anos, esse pântano possui um forte miasma venenoso, ele que fez isso com o meu corpo, e se você passar muito tempo aqui fará o mesmo com o seu.
A mulher parecia si divertir com a idéia de ver minha beleza roubada pelo miasma, porem para infelicidade dela isso nunca aconteceria, eu poderia viver por um século naquele pântano e continuaria com a mesma aparência, afinal sou uma deusa.
- Provavelmente – menti – mas mudando de assunto, estou precisando ir para a cidade de Cernos a senhora conhece o caminho mais curto para ir ate la?
A mulher pensou um pouco, resmungando consigo mesma sobre as varias rotas que levavam a cidade de Cernos, enfim ela respondeu.
- O caminho mais rápido é subindo a montanha em direção da cidade de Erbheus, mas eu não iria para la se fosse você.
- Porque?
- Ouvi só boatos através dos viajantes que passaram por aqui, dizem que existe algo naquela cidade, alguma coisa que mata todos que tentam entrar na cidade, na verdade ninguém sabe se ainda existe alguém morando na cidade, todos evitam entrar nela e ninguém nunca mais saiu de la, ela esta isolada a anos, as pessoas dizem que espíritos ruins rondam aquelas terras.
Ao acabar de falar a mulher riu histericamente, percebi que ela era do tipo de pessoa que se felicitava com o sofrimento alheio e provavelmente sentia inveja da felicidade dos outros.
Nos conversamos por mais algum tempo, em geral a velha falava mal de algo ou de alguém, ela parecia sentir desgosto por tudo. Por volta das onze horas da noite eu acabei de jantar e fui dormir, o local estava longe de ser confortável porem eu não me preocupei.

Acordei no dia seguinte junto com o sol, a velha Skall também estava acordada, eu agradeci pela hospitalidade e parti.
Eu resolvi ir a cidade de Erbheus, se o que a velha Skall havia dito fosse verdade eu tinha que averiguar, por isso segui o caminho para a montanha que ficava próxima ao pântano, a caminhada fora solitária como eu esperava, enquanto andava eu pensei em Skall, a velha era do tipo de pessoa que não tinha salvação, gostava da situação decadente a qual vivia, e se acostumara com a infelicidade.
A caminhada pela montanha não era cansativa, porem era bastante demorada, eu andei por algumas horas, acompanhada apenas pelo barulho do vento e pelo som de alguns pássaros.
Percebi então que havia algo me observando, como um predador que analisa a presa antes de partir para o ataque, existem poucas coisas que possam ameaçar a vida de um deus, em geral a única coisa que pode matar um deus é outro deus, e eu sabia que seja la o que fosse que estava a me observar, não era um deus, por isso fiquei calma.
Então eles apareceram, no inicio apenas um, depois outros se juntaram, era difícil de dizer ao certo o que eram, pareciam lobos porem eram muito maiores, tinham aproximadamente um metro e meio de altura, as camadas de pelos que cobriam seus corpos eram muito maiores e mais densas, eles me observavam com olhos rubros como o sangue enquanto me circulavam, eram seis ao todo, um deles uivou com força, o som era como o de um trovão.
O ameaça não me intimidou, e eu a respondi a altura, olhei nos olhos do lobo, os nossos olhares se encontraram, não durou mais que alguns segundos, mas para nos fora como se fossem horas, o lobo então recuou dois passos, animais tem instintos muito mais apurados do que as pessoas e muitas vezes agem de forma mais sensata que elas. O lobo soltou mais um uivo aterrorizador e recuou sabendo que aquela seria uma batalha perdida caso ele a travasse, os outros lobos o seguiram e eu fiquei só.
Continuei a minha caminhada estava agora ciente que a historia contada por Skall era verdadeira, bastava agora saber o que era aqueles lobos, eu continuava a sentir os olhares dos lobos me observando por entre as sombras, mas nenhum deles voltou a aparecer, andei por mais algumas horas e avistei a cidade de Erbheus, no mesmo instante em que o sol se escondia no horizonte e a lua já começava a aparecer majestosa no céu.
A visão da cidade era algo incrível e nostálgico, parecia que ela havia parado no tempo a uns quinhentos anos atrás, haviam algumas casas de madeira todas muito simples e rústicas porem mais bela e conservadas do que a da velha Skall, as pessoas vestiam roupas simples, panos brancos apenas, andavam descalças e pude perceber que os acessórios que usavam eram todos artesanais, colares feitos com dentes de animais ou coroas de flores estas ultimas eram muito comuns entre as mulheres.
As pessoas se assustaram ao me ver, corriam para longe de mim como se eu fosse um daqueles estranhos lobos que encontrei nas montanhas, eu me aproximei de uma moça para tentar começar uma conversa, mas ela correu com tanto vigor e medo que eu desisti, Havia algo errado naquela cidade, ate um cego perceberia isso.
A minha presença causava um obvio desconforto em todos, eu não precisava nem ler a alma dos pobres habitantes para saber que eles estavam apavorados.
Skall havia dito que ninguém havia entrado naquela cidade em muito tempo, se era assim eu entendia o porque das pessoas se impressionarem ao verem um estranho, mas o fato de saírem correndo apavoradas era no mínimo exagerado.
- Parada mulher! Identifique-se!
Era uma voz masculina, forte e grave e parecia mais ameaçadora do que o rugido dos estranhos lobos, eu olhei para a direção da voz e vi um homem muito forte e musculoso e logo percebi que se tratava do líder daquele povo, sua pele era queimada como a areia do deserto, ele estava descalço seu rosto oculto por uma mascara de leão com uma juba fixada a mascara dando a aparência ainda mais forte da poderosa fera, em sua mão esquerda ele trazia uma longa lança de madeira a lamina da arma era feita de uma enorme presa de algum animal selvagem.
- Me chamo Miria – apenas de olhar para ele eu sabia que ele era um deus, e ele com certeza sabia que eu era uma também, é fácil para mim identificar um deus, eu não posso ler a alma dos outros deuses, não é como no caso de Skall a qual a leitura era difícil e complicada, o caso é que simplesmente não consigo ler, como se fosse uma folha em branco.
- Eu me chamo Kalazar – respondeu o deus com uma voz grave – sou o deus da caça e protetor dessa pequena aldeia.
Ao falar isso os aldeões olharam o deus com devoção, alguns se ajoelharam outros gritaram seu nome em voz alta.
- A mulher atravessou a montanha, e esta ilesa, como ela fez isso meu senhor? – perguntou um dos aldeões um homem idoso de uns cinqüenta anos.
- Isso também me intriga – disse o deus – venha comigo Miria, quero falar com você, sozinho.
Concordei com um aceno de cabeça, Kalazar começou a andar e eu o segui, caminhamos em silencio sem dizer sequer uma palavra.
Ele me levou a um enorme templo, a construção era tão bela e majestosa que nem parecia pertencer aquele vilarejo simples. Era uma constrição colossal, um templo todo de pedra semelhante aos templos Maias, com uma enorme escadaria, a entrada do templo era uma enorme porta de quase três metros de altura, e era guardada por dois enormes leões de pedra, um em cada lado da porta, nos paramos em frente as escadas, e eu disse olhando para cima, vislumbrando toda a beleza do templo.
- Um templo majestoso, estranho como o resto da cidade não tem nem um décimo de sua beleza.
Ele entendeu a indireta de minhas palavras, mas não se irritou com isso, ou pelo menos não demonstrou irritação, era difícil saber como ele reagia com aquela mascara cobrindo-lhe o rosto.
- O templo é a minha casa, a diferença entre ele e as casas em que os cidadãos moram deve ser igual a diferença entre eles e eu, alem do mais o templo deve impor respeito.
Acho que ele disse isso com um sorriso no rosto, eu fitei o majestoso templo mais uma vez, observei os poderosos leões de pedra, eles não impunham respeito, eles impunham medo.
Subimos as escadarias sem dizer mais nada um com o outro, eu podia sentir os olhos de Kalazar me observarem por trás da mascara, analisando cada gesto meu, eu fingi não notar, e ele fingiu acreditar nisso.
Acabamos de subir as escadas e adentramos no templo, o interior era tão majestoso quanto o exterior, um grande salão de pedra ele possuía vários colunas. Nas extremidades do templo próximo as paredes, inúmeros leões de pedra observava-nos, como poderosos sentinelas, na extremidade oposta a entrada havia um grande trono, todo esculpido em ouro.
Kalazar se aproximou do trono e se sentou confortavelmente nele.
- Agora que estamos finalmente sozinhos, eu vou lhe repetir a minha pergunta, quem é você?
- Cerridwen.
Kalazar pensou um pouco, procurando na mente identificar o nome que escutará
- Uma das deusas da lua certo? Existem tantos deuses que eu acabo não lembrando de todos... Mas me diga o que lhe trás a minha cidade?
- Quero saber o que esta acontecendo nessa cidade, ela parece ter parado no tempo, existem aquelas criaturas estranhas rondando as fronteiras da cidade, parecem lobos, mas não são apenas lobos, e acima de tudo existe você, o que um deus faz aqui? Quais os motivos que lhe fazem ficar?
Kalazar não respondeu de imediato, olhou para os leões de pedra demoradamente, como se estivesse esperando que eles dissessem algo, como eles não atenderam as suas expectativas ele continuou a falar.
- Estou em guerra Cerridwen.
- Guerra? Contra quem? – perguntei intrigada.
- Alshur, o senhor dos lobos, um deus poderoso.
- Não lembro de ter ouvido algo sobre esse deus antes.
Kalazar riu.
- Não me surpreendo, Alshur não é do tipo de deus que gosta de chamar atenção, é um covarde que se esconde nas sombras enquanto seus servos lutam sua guerra por ele.
- Servos? Aqueles lobos? Eles não são ameaça para mim e duvido que possam lhe fazer algum mal Kalazar, você pode destrocá-los em um piscar de olhos.
- Certamente posso Cerridwen – disse o deus tocando distraidamente na lamina de sua lança, que era uma presa de um animal, ele falava com orgulho – esta lança por sinal foi feita com o dente de um deles sabia?
Kalazar era certamente um deus orgulhoso, eu notei isto no seu templo majestoso, em sua forma de falar e inclusive em sua arma, ele poderia criar armas muito mais poderosa do que uma lança com um dente de um lobo, mesmo sendo um lobo estranho e muito mais poderoso que um lobo comum, o fato dele ter escolhido essa lança como arma era uma demonstração de poder, ele matara seu inimigo e usava o dente do animal como um troféu, eu pessoalmente prefiro uma arma eficaz do que uma que demonstre poder, mas cada qual escolhe suas armas.
- Porque então você continua aqui Kalazar? Se Alshur deseja matá-lo você deveria ficar longe do seu povo, é uma guerra entre deuses e essas pessoas não tem nada haver com isso. – Deuses adoram brigar, não todos mas muitos gostam e praticam a guerra como um esporte, uma atividade rotineira, as guerras tem muitos motivos diferentes, não precisam ter motivos importantes, as vezes os deuses guerreiam pelos mais estúpidos motivos e não raro brigam por tanto tempo que se lhe perguntassem porque haviam começado a guerra nenhum dos dois saberia responder. O pior porem é que com muita freqüência eles destroem algumas cidades em suas guerras, devastam florestas ou causam a extinção de algum povo infeliz que por puro azar entra no fogo cruzado da guerra.
Kalazar me olhou com tristeza e falou segurando ainda mais firme a sua lança.
- Para mim esse povo é tudo... São como meus filhos e eu desejo protegê-los, daria minha vida por eles, mas Alshur sabe disso, Alshur é um covarde ira machucar as pessoas desse vilarejo para me ferir, e isso Cerridwen eu não permitirei.
Kalazar podia ser orgulhoso, mas ninguém podia dizer que não era um deus com um bom coração.
- Mas isso nos leva a um ciclo Kalazar – disse eu olhando com firmeza – você deseja ficar aqui para proteger seu povo é uma atitude nobre, mas se ficar apenas aqui defendendo seu povo não ira levar você a lugar nenhum. Ninguém vence uma guerra apenas na ficando na defensiva Kalazar. – fiz uma longa pausa antes de continuar – e quanto aqueles lobos, eles são as trevas que rondam essa vila, isolando-a, este lugar parou no tempo, aqui não existe comercio, as pessoas estão paradas no tempo e tudo que esta parado Kalazar... esta morto.
Kalazar se levantou com ira de seu trono, bateu com força a extremidade da lança no chão fazendo um som que ecoou por todo o templo.
- Prefiro que vivam em um ciclo eternamente do que pereçam! – bradou o deus – você diz que eles estão parados no tempo? Acha isso ruim? Como seria bom se o mundo houvesse parado no tempo Cerridwen em uma época em que as pessoas desconheciam o pecado, em que a felicidade reinava, e em que irmãos não matavam irmãos.
Eu abri minha boca para responder mais o deus foi mais rápido, golpeou o chão novamente com sua lança fazendo outro estrondo.
- Você diz que as trevas cercam essa vila? Sim isso é verdade, eu sei disso muito melhor do que você, estou aqui a quatrocentos anos, mas pense bem senhora da lua, as trevas cercam essa vila mas não adentram nela, pois aqui prevalece a luz, e as trevas não sobrevivem na luz.
- E essa luz seria você? – perguntei de forma fria e imparcial.
- Sim – disse o deus com orgulho – eu sou a luz.
Eu olhei para o céu, o sol brilhava forte, iluminando toda a vila.
- As pessoas devem se apoiar em nos Kalazar... mas não devem depender de nós, somos fonte de inspiração, e sim nos somos a luz, mas não devemos ser a única luz... – eu continuei a observar o sol – as pessoas devem viver suas vidas sem depender dos deuses, não percebe que você age como um pai que tem medo de que os filhos voem com suas próprias asas? Você pensa que os esta protegendo, mas na verdade é o contrario, você esta impedindo-os de crescer.
Kalazar me olhou com um olhar severo, mas nada disse, a impressão que eu tiver era que ele iria bater com sua lança novamente no chão, usando de toda sua ira, ele porem nada fez apenas me olhou com uma fúria contida.
- O que sugere que eu faça então deusa? – o tom a qual ele falava era enigmático e eu não soube dizer o que ele sentia.
Eu fiz uma pausa, sabia que era preciso ser precisa com as palavras se quisesse chegar a algum lugar naquela discussão.
- De a eles armas, ensine-os a lutar com suas próprias mãos, se as pessoas puderem lutar contra esses lobos sozinhas, você poderia se dirigir ate Alshur e matá-lo com suas próprias mãos.
Ele riu com ironia do que disse, me olhou com desdém e disse.
- Armas? Mesmo com armas eles não matariam os lobos.
- Porque estão presos a você! – disse eu com veemência – estão acostumados que você lute por eles, não acreditam no potencial que tem, você é o deus desse povo deveria ajudá-los, de a eles armas eu e ira se surpreender com o que eles farão, não será um caminho fácil, mas se você treiná-los... e guiá-los para o caminho certo eles se tornaram pessoas mais fortes.
Ele ponderou um segundo antes de responder.
- Duvido... mas digamos que você esteja certa Cerridwen, suponhamos que eles enfrentem os lobos sozinhos e os matem, o que farão depois?
- Viverão suas vidas como antes e não mais temerão combater seus problemas. – respondi eu de imediato.
- Sim... – ele me olhou com malicia e prosseguiu – foi bom o que você falou que eles irão combater os seus problemas... agora lhe pergunto que problemas serão esses? Os lobos estarão mortos e não serão mais um problema, então o que eles terão que combater?
- Como posso saber? – disse com sinceridade – não prevejo o futuro.
- Mas eu prevejo – disse ele elevando a voz – eles irão combater a eles mesmo Cerridwen, irão se matar, irmãos matando irmãos, é isso que o conhecimento das armas traz, a morte e o mal.
- Isso soaria muito mais belo se você não disse-se com uma arma em mãos – disse eu com ironia.
Kalazar olhou para a lança e respondeu rindo.
- Isso? Sou um deus Cerridwen, sei usar uma arma para o bem, os humanos são imaturos sempre foram e sempre serão, geração após geração cometem os mesmos erros... chega a ser irônico, quase engraçado observar os filhos cometendo os mesmos erros que os pais, mesmo estes os instruindo dos erros eles vão la e os cometem, depois quando envelhecem se arrependem do que fizeram e tentam prevenir seus filhos a não fazerem os mesmos erros e o ciclo se repete.
Eu encarei o deus com uma frieza gélida e disse com uma voz afiada como uma foice.
- Deixe-os errar... só assim eles aprendem. Nos não somos diferentes Kalazar aprendemos apenas depois de errarmos.

Eu poderia ter conversado anos com Kalazar sobre o assunto, digo de forma literal, mas duvido que teríamos chegado a algum lugar, no final das contas acabei desistindo de convencer o deus, a vila era o seu domínio e eu não tinha espaço ali, ele comandava o lugar, do jeito errado na minha opinião mas mesmo assim ele comandava a vila já faziam quatrocentos anos.
Eu sai do templo e resolvi passear pela cidade já era noite e a lua brilhava no céu com todo o seu esplendor, era noite de lua nova.
Eu podia sentir os estranhos lobos escondidos nas sombras fora dos limites da vila, seus uivos preenchiam a noite como uma ameaça suave e mortal, porem nenhum deles se atrevia a entrar na vila, eu fiquei ali a noite inteira, imóvel a observar o céu e as estrelas.
Então aconteceu tudo de repente, uma alcatéia de lobos entrou no vilarejo com ferocidade, eram doze talvez quinze, poucos lobos, mas apenas um deles era suficiente para matar todos do vilarejo.
As pessoas estavam todas dormindo, seguros em seus sonhos por isso não houve gritaria nem pessoas correndo de um lado para o outro, foi uma chacina rápida e silenciosa, as pessoas eram arrancadas de suas casas pelos poderosos animais e comidas com ferocidade, eu me preparei para agir, mataria todos eles em um piscar de olhos e estava pronta para fazer isso.
Kalazar apareceu não sei de onde e enfiou sua poderosa lança na garganta de um dos animais, o lobo soltou um uivo de dor e depois caiu inerte no chão, percebi porque ele era conhecido como o deus da caça, ele agia de forma feroz e instintiva, como um predador assassino.
 Kalazar balançou a lança no ar como um troféu, o sangue pingando de sua lamina brilhava como um rubi, os lobos recuaram em um piscar de olhos e a alcatéia sumira tão rápido quanto aparecera.
As pessoas logo se reuniram ao redor do deus, elas gritaram o seu nome e o agradeceram pela proteção, ele me olhou e disse.
- Ainda acha que eles poderiam lutar sem mim Cerridwen?
Eu me limitei a não responder.

- Você viu como eles agem Cerridwen? Hoje morreram cinco pessoas, o que aconteceria se eu não estivesse aqui para protegê-los?
Estávamos de volta no templo, conversávamos em voz baixa. Do lado de fora do templo as pessoas enterravam os mortos e rezavam para que suas almas fossem para o mundo dos mortos e encontrassem finalmente a paz. Mal sabem elas que “paz” e “mundo dos mortos” não são duas coisas que andam juntas.
- protegê-los? – disse eu com uma voz sombria – eu percebi quem você é Kalazar, não acredito que demorei tanto para perceber, acho que é a idade, estou ficando velha e deixando de notar as coisas.
Ele riu.
- A idade realmente nos deixa assim as vezes, mas n...
- Você é Alshur, ou melhor Alshur nunca existiu não é? – disse eu com um olhar penetrante interrompendo-o – você é a luz, e você é as trevas, acha que ia conseguir me enganar por muito tempo?
Kalazar se silenciou e sorriu, seu rosto podia estar oculto pela sua mascara, mas eu tinha certeza que ele sorria.
- Não é considerada a deusa do caldeirão do conhecimento a toa... como você descobriu? – disse ele com malicia e pelo que pude perceber também... orgulho, o deus era extremamente orgulhoso.
- Sou uma deusa, sei como os deuses pensam, acha que você foi o primeiro a fazer isso? Manipular as peças de ambos os lados do tabuleiro?
Ele deu uma gargalhada, sua voz estava completamente diferente como se fosse outra pessoa, ou melhor, o mais certo era dizer que ele estava sendo ele mesmo.
- Ok, não foi uma idéia original eu admito, mas ela nunca perde o brilho. Você esta certa, eu sou a luz e eu sou a trevas, e quanto a Alshur, bem nunca existiu nenhum Alshur eu o inventei, as pessoas precisavam de um vilão, você sabe como é, elas adoram ter um vilão para colocarem a culpa das coisas.
Sim as pessoas adoram um vilão, é comum elas serem covardes e inventarem uma desculpa para os seus erros o demônio me tentou muitas pessoas dizem isso e assim se sentem aliviadas, pois sabem que não erraram de fato, pura ilusão.
- Você nunca desejou o bem das pessoas, apenas se divertiu com elas, criou um vilão para as pessoas temerem e por isso elas iam atrás de você, porque você era a salvação delas.
- Cerridwen por favor! Somos deuses! – disse ele com ar de deboche e desdém – DEUSES! E eles são um bando de idiotas fracos, tolos e influenciáveis, porque eu iria querer o bem deles?
Eu estava sentindo ódio, e Kalazar deveria agradecer meu incrível auto-controle pois eu não sei como ainda não o havia  matado, o deus tinha sorte de não perceber o risco que corria.
- Você vai pagar por isso Kalazar, eu irei desmascarar você na frente do seu povo e a devoção que eles sentem por você ira se transformar em ódio.
Ao ouvir isso o deus riu com intensidade, sua risada ecoou por todo o templo.
- Quer me desmascarar? Ótimo vá em frente, grite para todos da vila ouvirem a sua historia, berre aos quatro ventos, não vai adiantar de nada, eles me adoram, a adoração esta acima da razão, esta acima do certo e do errado, você deve saber disso tão bem quanto eu afinal, – ele me olhou com desafio – é uma deusa não é?
O pior era que Kalazar dizia a verdade, a adoração cegava as pessoas, dizem que o amor é cego, bem a adoração também é. As pessoas da vila se jogariam de um abismo de bom grado se ele disse-se que isso era o certo a se fazer.
- Você tem razão – disse eu friamente – essa vila é sua e nada do que eu disser ira adiantar. – eu o olhei com um ódio mortal, fechei meu pulso com força desejando poder esmagar o deus entre os meus dedos.
Kalazar notou o ódio que eu sentia, e aquilo só o deixou mais feliz, ele riu novamente e me disse com ar de superioridade.
- Ora quem diria, sempre tão fria... eu odeio gente como você, que  parece que não tem emoções.
- Eu tenho emoções, porque não tenta adivinha que sentimento estou sentindo agora? – disse com ódio.
O deus não ligou para mim, não deveria ver em mim ameaça.
- Sim você tem, e olhe só que bela expressão de ódio esta no seu rosto, o que espera fazer Cerridwen? Me atacar? Ah mas isso não seria uma atitude elegante para uma deusa tão bela quanto você – disse ele com deboche – ou talvez você tenha medo de lutar comigo?
Eu nada fiz apenas controlei a minha fúria, não me importava com o deus e por minha vontade mataria ele de bom grado, mas eu sabia muito bem o que uma atitude dessa poderia acarretar e por isso me contive.
Como eu nada fiz, Kalazar julgou que eu tinha medo dele e por isso me olhou com desdém.
- Que bom, você é uma deusa bem sensata Cerridwen, agora que admitiu a sua derrota saia daqui, essa vila é grande demais para dois deuses.
Ele disse isso apontando de forma cordial a saída, aquilo foi a gota que fez o copo de água transbordar.
- Não posso fazer nada em relação a vila Kalazar, mas posso fazer algo em relação a você. – as palavras saíram afiadas como espadas.
O ódio ficou claro como água cristalina no rosto de Kalazar quando ele percebeu o que eu iria fazer, só me arrependo de não puder ver através daquela mascara de leão para saber que expressão estava estampada no seu rosto, acho que era uma mistura de raiva e medo.
Durou apenas um breve instante, em um momento pequenas partículas de luz branca cintilavam sobre o meu corpo que produzia luz própria como se fosse a própria lua, o que não era tão distante da verdade.
A luz envolveu todo o meu corpo, ele brilhava de forma majestosa e acredito que pela primeira vez Kalazar me viu realmente como uma deusa, ele segurou a sua lança com força e gritou como um urso feroz pronto para o ataque.
- Não devia irritar uma deusa da lua Kal, não em uma noite de lua nova... eu me torno... inconstante nesses noites.
O que se seguiu foi uma explosão de luz branca, a luz se desprendeu do meu corpo e envolveu todo o templo, foi um espetáculo lindo e ao mesmo tempo destruidor, quando a luz cessou não restava mais nada do majestoso templo de Kalazar e nem do deus. Também como haveria? Ate mesmo deuses podem morrer e fora isso que acontecera com Kalazar, se ele não fosse tão orgulhoso e me visse com ameaça desde o começo talvez ainda estivesse vivo, talvez.
Eu caminhei calmamente ate me afastar dos destroços do templo, admito que exagerei, não queria ter matado o deus, apenas intimida-lo um pouco, mas infelizmente eu tive um temporário descontrole das minhas emoções, errar é divino.
Os aldeões surgiram um a um, saíram de suas casas assustados e viram o templo do deus da caça destruído e viram também a mim.
Foi algo surpreendente o que aconteceu a partir daquela cena, mais surpreendente do que a explosão de luz que eu havia criado. Um sentimento de ódio e vingança surgiu naquelas pessoas, era como se elas partilhassem a mesma mente e o mesmo coração, sem dizer uma palavra todos pegaram pedras, pedaços de paus ou qualquer coisa que pudesse ser usada como arma, eles foram em minha direção como lobos selvagens.
Kalazar estava morto, mas seu legado vivia no coração do seu povo, eles me atacaram com uma intenção assassina, amavam o seu deus e lutariam por ele.
 Eu estava enganada, sempre pensei que se Kalazar se fosse aquelas pessoas perderiam seus rumos, ficariam perdidas e sem saber como agir, mas como eu estava errada, eles sabiam o que iriam fazer e estavam dispostas a fazê-lo, nem que isso lhes custasse as duas vidas eles tentariam me matar.
Eu usei meus poderes novamente, a luz branca rodeou o meu corpo e me cobriu como um manto luminoso, meu corpo brilhou com intensidade e se transformou em luz, e desapareci me transformando em partículas de luz.

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