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28 de setembro de 2011

A dama da lua Cap 2 - A honra de um guerreiro

Existe um ditado humano que diz “Aproveite a vida, pois ela é curta”, as pessoas não sabem o quanto estão certas ao dizer isso. Quanto tempo dura uma vida humana? Se ignorarmos as mortes por doenças, fome e os assassinatos em que os seres humanos sempre se superam descobrindo formas originais e criativas de executar um homicídio. Tirando todas essas causas de morte e levando em conta apenas as mortes naturais, podemos calcular a media de vida do ser-humano em setenta e seis anos, porem eu serei otimista e irei arredondar para oitenta.
Para nos deuses porem uma vida humana não passa de um breve momento, tão curto que quando nos demos conta ele chega ao seu fim.
Talvez vocês humanos não entendam o nosso ponto de vista, pensem porem nas moscas, elas vivem apenas um único dia, um misero dia e nesse curto espaço elas nascem, crescem se reproduzem e morrem. Se vocês compreenderem isso, entenderam porque para mim suas vidas são tão curtas, se vocês realmente entenderem isso, não desperdiçariam suas vidas matando, sentindo magoa e odiando, se percebem isso usariam seu tempo para amar os outros, para perdoar, para criar laços e realizar sonhos.
Existiram humanos que perceberam isso, e viveram suas vidas com amor, aproveitaram cada minuto, e no fim quando a morte os veio levar, eles não carregaram arrependimentos. Eu conheci alguns desses homens e mulheres, essas pessoas são raras.
 A dois dias eu desci para o mundo dos homens e nem acreditaria que iria encontrar mais uma dessas pessoas.


*****

Eu estava andando pelos densos bosques, era dia e os raios do sol reluziam em meu corpo, eu estava usando uma roupa simples, típica das aldeãs, uma roupa de pano de cor branca, vestia uma longa capa o que era incomum pois estávamos no verão e tal vestimenta era usada nos rigorosos invernos para nos proteger do frio.
Minha aparência é bela e bem peculiar, minha pele é branca como a neve como se os raios de sol não a pudessem macular e na verdade não podem mesmo, meus olhos são negros como a noite em contraste com a palidez de minha pele, o olhar é o que mais caracteriza um deus, se alguém prestar atenção nos olhos de um deus percebera que ali esta uma presença muito mais poderosa que qualquer mortal, porem poucas são as pessoas que realmente prestam atenção nos olhos dos outros, e por isso meus cabelos brancos como a neve era o que me denunciava, eles sempre eram motivo de muita atenção aonde eu andava, as pessoas não imaginavam que estavam na frente de um deus, mas acreditavam que eu era uma bruxa, isso atraia olhares de admiração para mim.
 Os bruxos eram respeitados, grandes sábios conhecedores dos mistérios das magias, pessoas capazes de ler as estrelas, possuíam a sabedoria das plantas, tanto das medicinais como das venenosas, e eram dotados com o dom da clarividência.
Não que eu tivesse algo contra os bruxos, na verdade sempre tive um amor especial por eles, são os bruxos que dançam e cantam em rituais em minha homenagem, me respeitam e me admiram, diferente de muitas pessoas comuns que só recorriam a mim quando estavam em situações difíceis e de desespero.
Quando um deus desce ao mundo dos homens pode ser por vários motivos, os mais comuns porem são dois, o primeiro é ser adorado, nesses casos os deuses gostam de ser venerados, que ergam-se templos e sua homenagem e lhes ofereçam sacrifícios. O outro motivo é exatamente o contrario, vamos ao mundo humano querendo calma, e procuremos ser discretos, foi esse o motivo para eu ter ido ao mundo humano.
Enquanto eu caminhava pelo bosque, observando as plantas e os pequenos animais eu vi um homem sentado na grama, seu corpo era vigoroso e saudável, seu cabelo era negro, ele tinha uma grossa barba que lhe cobria o rosto, ele vestia apenas uma calça de pano simples, os seus vigorosos músculos estavam amostra, e brilhavam reluzentes a luz do sol, apesar de bonito o seu corpo era coberto de cicatrizes e por isso deduzi que estava diante de um guerreiro.
- O que faz aqui senhor? Admirando a paisagem? Esta mesmo linda. – disse eu de forma simpática enquanto me sentava a seu lado na grama.
O homem me olhou, seu olhar era triste e abatido, como o de um grande e belo tigre que por algum motivo perdera a vontade de viver.
- Sim a paisagem esta mesmo linda, o sol brilha radiante no céu e os animais passeiam felizes e livres pelas florestas.
O homem falava em um tom nostálgico e ate poético, seu olhar era abatido e cansado e isso me intrigou ao mesmo tempo que me entristeceu, curiosa quanto aquele homem eu perguntei.
- Se o senhor acha mesmo o dia tão lindo, porque esta tão triste?
O homem me encarou e eu o vi chorar, de seus olhos não vertiam lagrimas, mas eu sabia que ele estava chorando, sua alma chorava. Se lembram quando eu falei que via os sentimentos das pessoas? O que na verdade faço é ler suas almas.
- Porque esse dia lindo não me pertence, eu não posso mais desfrutar da beleza da terra e nunca mais caminharei feliz sobre ela.
- O dia pertence a todos os seres vivos, dos pequenos insetos ate os grandiosos elefantes, ele pertence aos bons e justos e também pertence aos cruéis, aos tiranos e aos corruptos, a natureza não é de ninguém ela pertence a todos ao mesmo tempo.
Ao ouvir isso o homem se emocionou e chorou de verdade, era uma cena triste ver aquele gigante tão frágil, um grande homem não apenas por fora mas por dentro também, eu podia ver isso ao ler sua alma.
O homem ficou em silencio por alguns minutos, refletindo sobre o que eu lhe dissera.
- Sim a natureza pertence a todos – disse ele limpando algumas lagrimas do rosto – o problema é que eu não posso mais desfrutar dela.
Ao dizer isso o homem levantou a parte de sua roupa e revelou a perna nua, ela estava muito machucada, era um dano grande, a pele ao redor da ferida estava com um tom acinzentado, aquele era o motivo de sua tristeza, para os guerreiros seus corpos são como seus templos particulares, por isso uma ferida profunda não se limitava apenas a ferir seus corpos, mas também aos seus corações.
- Foi feito por uma flecha? – perguntei analisando a ferida com os olhos, era uma marca de perfuração e não de corte como seria caso fosse feita por uma espada.
- Não, foi feita por uma lança, uma lança envenenada. – Ele completou com amargura na voz.
- O veneno já destruiu a sua perna, ela esta podre, em poucos dias o veneno ira se espalhar pelo seu corpo e você ira morrer, para evitar isso você deve cortá-la, destruindo assim o mal pela raiz. – Esses conhecimentos sobre venenos e ervas são normalmente de deusas ligadas a natureza e a vegetação, eu porem como já disse antes não sou apenas a deusa da lua como normalmente me conhecem, sou a deusa do caldeirão do conhecimento e conhecedora de todos os mistérios, não todos na verdade, as pessoas dizem isso para se tornar mais impactante, a questão é que conheço muito sobre magia, bruxaria, espíritos e ervas, passei meu conhecimento a inúmeros bruxos e bruxas, guiando-os nos caminhos da magia, esses bruxos me adoravam como Cerridwen a deusa da lua e é esse meu principal nome.
O homem não se abalou com o que eu disse sobre sua perna, apenas fez um aceno positivo com a cabeça concordando.
- Sim, já me disseram isso, visitei Kalor o velho bruxo que vive nas redondezas, ele me disse o mesmo que você. – ele fez uma pequena pausa olhando para meus longos cabelos brancos - É uma bruxa também não é?
- Não exatamente... me chamo Cerridwen.
- Foi abençoada com o nome da deusa da lua, este é um nome que carrega muito poder, eu me chamo Asteror.
- significa “Caçador gigante”, também é um nome que carrega muito poder. – disse eu sorrindo,
Ele sorriu em resposta mas foi um sorriso triste como um lamento. Mesmo eu não querendo revelar minha verdadeira identidade, eu sabia que não haveria problemas em dizer meu verdadeiro nome, não era comum mas as vezes as mães batizavam seus filhos com nomes de deuses e deusas.
- Cerridwen, eu era um grande guerreiro, todos me respeitavam pela minha força e coragem, eu vivia com felicidade, e trabalhava duro todos os dias, indo a floresta, caçando e cortando lenha, a noite eu cantava junto a uma fogueira e a uma roda de amigos, sobre minhas façanhas, as lutas que travei, e os desafios que superei. – disse o guerreiro com orgulho.
Eu ouvi com silencio o discurso daquele homem, era como ouvir a um velho que falava com louvor de seus dias de gloria.
- Minha vida porem acabou ontem. Era um lindo dia, como todos os dias são, eu estava voltando de mais uma caçada, havia matado um veado e o trazia para casa, estava caminhando despreocupado pela floresta ate que Corfeus apareceu.
- Corfeus?
- Outro guerreiro da minha aldeia, ele é forte, é rápido, e suas habilidades em caça são surpreendentes.
- Então ele lhe desafiou para uma luta? – Era um costume comum, guerreiros se desafiarem para colocarem em teste suas habilidades.
Asteror deu uma gargalhada, uma gargalhada de deboche de desprezo.
- Corfeus já havia me desafiado muitas vezes, eu sempre o derrotei, sou o único guerreiro da aldeia que o supera em força e vigor e ele sabia que jamais poderia me vencer em um duelo justo.
- Sim, usar uma lança envenenada em um duelo como esse não é justo.
- Não, não é - e pela forma como ele falou eu percebi o quanto isso doía nele – do mesmo jeito que atacar um inimigo pelas costas não é. – sua voz se tornou fria como gela e destrutiva como fogo quando ele pronunciou essas palavras.
- Então ele causou essa ferida? – perguntei olhando para a perna do guerreiro.
- Sim, ele acertou minha perna, disse que não aceitava que eu fosse o mais forte da aldeia, que todos me respeitassem, ele tinha inveja de mim, da minha força, do respeito que os outros tinham por mim e principalmente ele tinha inveja porque Anna se casara comigo e não com ele.
- Sua esposa?
- Sim... – disse tocando na ferida lentamente. – ele queria me matar, nos lutamos, uma luta sangrenta, eu estava desarmado e ele portava uma longa lança de madeira, foi um duelo difícil, eu estava ferido, estava em desvantagem, mas no final eu venci. – disse o gigante guerreiro com orgulho.
- Eu o matei com sua própria lança e ele agora esta ardendo no mundo dos mortos, sendo punido por Arkos!.
Arkos era um servo de Titanefes um dos vários deuses do mundo dos mortos, infelizmente Asteror estava errado nesse ponto, Akros era um servo encarregado de punir os mortos que não tinham honra, normalmente traidores e ladrões, porem ele não estava punindo Corfeus, pois o servo de Titanefes ah muito tempo havia sido morto, pelo próprio Titanefes por sinal. 
- Você lutou de forma honrosa Asteror, diferente de Corfeus. Reze para os deuses, diga a eles o que houve e peça por ajuda, eles entenderam a sua situação e lhe ajudarão.
Asteror riu, era um riso triste que mais se assemelhava a um choro, ele pegou um punhado de areia com a mão e ficou a analisar a pequena quantidade de terra.
- Eu perdi minha fé nos deuses a muito tempo Cerridwen, eu rezava para eles, todos os dias. Todo primeiro dia do mês eu matava um tigre e oferecia ao meu deus Armeron o deus dos guerreiros, pedia para ele força e vigor, pedia para que ele mantivesse minha família em segurança enquanto eu saia para caçar e para lutar nas guerras.
Ele fez uma pausa e me encarou com seriedade.
- Sabe o que aconteceu Cerridwen?
- Não – na verdade eu sabia, aquilo estava tão claro em sua alma que era impossível não perceber.
- Um dia, enquanto eu sai para guerrear, para proteger meu povo e minha terra, nesse dia um pequeno grupo de saqueadores atacou nosso vilarejo, eles extruparam minha mulher e a mataram, e o que os deuses fizeram? Nada, apenas olharam com desinteresse para tudo, sem intervir, afinal porque iriam? Era apenas uma humana sendo morta. – Disse ele com sarcasmo e repudio.
Asteror narrava a historia com uma voz calma, porem eu sabia que ele estava contendo sua raiva, ele estava com ódio do que ocorrera, queria vingança e queria sua mulher de volta, eu poderia dar-lhe a vingança caso os saqueadores ainda estivessem vivos, mas não poderia trazer sua mulher de volta.
- Depois disso conheci Anna e me casei com ela, tivemos dois filhos lindos, mas desde então eu nunca mais ofereci sacrifício aos deuses nem rezei para eles.
Dito isso ele jogou o pequeno monte de terra que tinha na mão, e a areia voltou a tocar a terra.
Eu toquei a mão de Asteror com carinho e lhe dei um discreto sorriso.
- Eu entendo você perder a fé nos deuses, mas não pense assim, da mesma forma que existem pessoas boas e más, existem também deuses bons e ruins, existem deuses que se preocupam com as pessoas e tentam ajudá-las e existem outros porem que se preocupam apenas consigo mesmos e com seus interesses pessoais.
Eu conhecia o deus Armeron e posso dizer que ele não era tipo que se preocupava com seus devotos. Armeron era um deus guerreiro, mas tudo que ele via era guerra, uma guerra sem honra, para ele um derramamento de sangue, mesmo sendo sangue inocente era algo belo de se assistir, e não duvido nada que ele tenha assistido a morte da mulher de Asteror, sentado em seu trono, bebendo um bom vinho.
- Esta dizendo que eu confiei no deus errado? Que deus porem iria se preocupar com minha dor e me ajudar?! Eu era um grande guerreiro, amado, respeitado, agora terei que cortar minha perna para assim preservar minha vida, viverei sem mais poder lutar, sem mais poder caçar, que sentido haverá minha vida então?
Ele falava em tom de revolta, eu entendia isso, para homens como Asteror caçar e lutar era tudo, era sua felicidade, ele era uma homem da terra, um guerreiro abatido, eu poderia dizer que existiam muitas coisas que ele poderia fazer que não fosse lutar ou caçar, ele poderia se tornar um sábio, um mercador ou seguir outro rumo na vida, aquilo porem era inútil, Asteror tinha uma alma de guerreiro e não encontraria a felicidade de outra forma a não ser lutando e caçando, guerreiros em geral são assim.
No horizonte o sol começou a se por, estava ficando tarde, os animais se escondiam por entre as arvores, a lua começava a surgir tímida no céu e um vento frio começou a soprar.
- Ao leste a existe uma lagoa. – disse eu com uma voz doce enquanto me levantava devagar e apontava para a direção da lagoa.
Asteror olhou na direção a qual eu apontei.
- Eu sei, conheço essas terras desde pequeno.
- Hoje é noite de lua cheia, vá ate a lagoa a meia-noite, mergulhe sua perna ferida na lagoa enquanto a luz da lua refletir sobre suas águas, peça a deusa Cerridwen por auxilio, e ela lhe ouvira.
Asteror me olhou com seriedade, ele ficou em silencio e então respondeu.
- Respeito sua fé Cerridwen, mas não acredito que sua deusa possa me curar, não a porque ter fé nisso, só me trará falsas esperanças e depois me trará dor por ter sido traído uma segunda vez por um deus.
- Esperança é algo que você sempre deve ter Asteror, e acredite no que eu digo, elas não serão falsas.
Asteror ficou em silencio, ele havia criado um respeito por mim, eu sabia disso, por isso ele preferiu ficar calado e não me dizer o que pensava, ao invés disso ele encerrou a conversa.
- Vá Cerridwen, esse bosque fica cheio de animais selvagens a noite, é muito perigoso para uma dama, quanto a mim não precisa se preocupar, mesmo com minha perna nesse estado eu posso cuidar de qualquer animal que aparecer.
Eu apenas concordei com um aceno com a cabeça.
- Faça o que eu disse Asteror, Cerridwen não abandona bons homens, e você é um homem bom e justo, digno de que um deus se ajoelhe diante de você.
E dito isso eu me ajoelhei, ele ficou surpreso com o ato repentino, eu beijei sua mão de forma delicada e disse-lhe.
- Um deus não é melhor que um homem, o que torna um ser superior não é sua divindade ou seu poder, é seu caráter, sua bondade e sua honra.
Eu me levantei e sem dizer mais nada sai, adentrando no bosque, Asteror ainda ficou sentado por muito tempo, refletindo em silencio.

Asteror seguiu o meu conselho, e no dia seguinte acordou cedo e foi caçar, sua perna estava curada, ele caçou um tigre e o ofereceu para os deuses retornando seus antigos hábitos, desta vez porem ele não louvou a Armeron o deus dos guerreiros, pela primeira vez o grande guerreiro louvou a Cerridwen, e jurou para si mesmo que isso se tornaria um habito.
Asteror era um homem de honra, e homens de honra sempre cumprem aquilo que prometem.

2 comentários:

  1. Gostei da historia, muito profunda e reflexiva, percebi o quanto somos mortais e ao mesmo tempo deuses de nossas acoes e sensos de boa aventurança. Espero ansioso pelo próximo capitulo para assim complementar minha opinião e fazer uma critica completamente fundamentada.

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  2. A ideia era mesmo mostrar mesmo como o humano e o divino são tão diferentes e próximos ao mesmo tempo.
    O próximo episodio sera publicado acho que no sábado (08/10), eu já tenho todo o roteiro em mente ele ira se chamar "Luz e trevas", o tema abordado sera bastante interessante que prefiro não dizer pois revelara spoilers.

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