Pesquisar neste blog

29 de outubro de 2011

A dama da lua Cap 4 - Os descendentes de Norlleus

- Você não acha que foi um pouco... exagerada...? – perguntou Artemis com um sorriso discreto.
Estávamos eu e Artemis conversando no meio da floresta, Artemis como eu era uma deusa, e igualmente a mim era uma deusa lunar, éramos velhas amigas, Artemis vestia um fino tecido de algodão branco, a roupa era bastante leve e confortável, ela possuía cabelos loiros quase brancos, longos e lisos, olhos azuis como o céu, a pele da deusa era clara, e seu corpo escultural possuía belas curvas, ela usava um colar de prata com um símbolo da lua no pescoço, em sua mão direita segurava um arco também de prata, o metal reluzia de forma magnífica sobre a luz do sol, nas costas da deusa estava presa uma aljava de carvalho muito bem trabalhada com flechas de prata.
- Perdi o controle admito... sei que foi uma idiotice o que fiz, vai me custar caro. – disse com um leve sorriso, ela me devolveu o sorriso com uma expressão divertida no rosto.
- Bem caro... – disse Artemis de forma despreocupada – aquele deus com certeza tinha amigos, e não me refiro a aldeões com pedaços de pau como arma.
Eu sabia disso, era provável que ele fosse associado a outros deuses, se isso fosse verdade eles iriam querer vingança, eu poderia enfrentá-los, mas será que poderia vencê-los? Kalazar fora um oponente fácil, era um deus jovem e inexperiente, nunca fora ameaça para mim.
- É bom você sumir por uns tempos... – disse Artemis agora com um tom preocupado – um ou dois séculos devem bastar.
- Infelizmente não posso me dar a esse luxo, estou resolvendo uns problemas aqui no mundo dos humanos, e tenho que resolve-los logo.
- Problemas? – disse Artemis com um riso suave, seu riso era quente e belo como o cantar dos pássaros em uma manha de verão. – pensei que você estivesse aqui apenas de férias.
- Tenho alguns assuntos inacabados.
- Entendo... mudando de assunto Cerridwen queria conversar algo importante com você, mas porque não andamos um pouco? Não agüento mais ficar aqui parada.
Eu concordei e começamos a caminhar, embora Artemis disse que queria conversar ela nada falou, apenas caminhamos pela floresta, observando as plantas, as flores exóticas e belas, os animais pequenos e indefesos que habitavam a floresta.
Artemis adora caminhar, gosta de sentir a grama úmida em sues pés, cheirar o perfume doce das flores e respirar o ar puro e fresco, por quase uma hora apenas caminhamos sem nada dizer uma para outra, a deusa enfim parou perto de um lago, me olhou de forma seria e disse.
- São tempos difíceis Cerridwen... para mim e para meus irmãos.
Os irmãos dela eram os demais deuses gregos, todos viviam no topo do monte Olimpo em um majestoso templo, eram deuses poderosos que existiam a milênios.
- O que houve? Vocês brigaram entre si... de novo?
Ela riu de forma triste.
- Não minha amiga, estamos mais unidos do que nunca, e sabe porque? Temos um inimigo em comum, agora todos no Olimpo estão apavorados, Zeus tentar se manter firme e continua com aquela atitude arrogante e confiante mas eu sei que ele também esta com medo.
Zeus é o mais poderoso dos deuses do Olimpo, a quem diga que é o mais poderoso dentre todos os deuses, não é uma afirmação verdadeira mas também não esta muito distante da verdade. Pensar que Zeus esta com medo de algo é um pensamento assustador, pois em toda a grandiosa existência do deus, poucas coisas o assustaram.
- O que houve? Hades esta tentando roubar o lugar de Zeus como o deus dos deuses?
Artemis riu com desdém.
- Hades é um covarde quando se trata de enfrentar Zeus, ele tem medo do irmão, sempre teve, caso contrario já o teria enfrentado a muito tempo, oportunidades não faltaram.
Ela ficou em silencio alguns segundos observando a lagoa, com uma expressão indecifrável no rosto, depois prosseguiu, disse uma única palavra.
- Titãs.
- Titãs? – aquilo era tão inesperado – pensava que vocês tinham trancafiado eles pela eternidade.
- Eu também pensava isso... mas eles voltaram, e tenho certeza que alguns milênios de confinamento só serviu para deixá-los furiosos.
Eu coloquei a mão de forma confortante no ombro de Artemis.
- Fique tranqüila Irma – como deusas lunares somos como irmãs – você e os outros deuses do Olimpo os derrotaram uma vez, podem fazer isso de novo.
- Acredita mesmo nisso Cerridwen? Nos tivemos sorte, muita sorte e eles estão mais fortes agora.
- Irei ajudá-la – disse olhando com determinação para os olhos dela – juntas somos mais fortes, alem do mais, eu sempre fiquei curiosa para saber como é lutar contra um titã.
Ela riu de forma graciosa.
- Somos duas então, eu nasci depois da guerra entre os deuses e os titãs ter acabado, mas eu não vim aqui lhe pedir ajuda Cerridwen queria apenas conversar com você.
- Primeiro você diz que esta morrendo de medo e depois recusa minha ajuda? Você esta ficando bem complicada de se entender Artemis.
- Não tão complicada – disse ela rindo de forma discreta e jovial – na verdade é bem simples, é um assunto dos deuses do Olimpo Cerridwen, nos devemos resolver isso sozinhos, como posso dizer?... é algo... pessoal, sim acho que colocaria dessa forma.
Eu a olhei com um olhar preocupado, ela apenas riu novamente e me disse em tom confiante e carinhoso.
- Não se preocupe Cerridwen, eu não morro fácil, posso enfrentar alguns titãs e sobreviver. – era mentira eu e ela sabíamos disso, porem eu nada disse.
- Bem tenho que ir – disse Artemis – as coisas estão bem complicadas no Olimpo e preciso voltar para la... nossa como essa coisa de guerra é estressante!
Eu não contive um riso discreto.
- Pensou que era como uma de suas caçadas Artemis? Apenas fazer mira com esse arco e depois fazer chover flechas prateadas?
A deusa olhou de relance para o arco prateado que carregava em uma das mãos.
- Seria tudo bem mais simples se fosse assim, porem essa guerra é uma questão de estratégia, eu não gosto muito disso, sinceramente é entediante, quem esta se divertindo com isso é Zeus, Athena e principalmente Ares, ele adora uma guerra, esta mais feliz do que nunca agora que poderá enfrentar alguns titãs.
- Ele é o deus da guerra Irma, o que esperava?
- Verdade... bem tenho mesmo que ir, tome cuidado Irma, como eu disse provavelmente você ira se encontrar com alguns deuses nada amigáveis agora, e quanto aqueles seus assuntos inacabados, trate de acabar eles.
- Farei isso.
O corpo de Artemis foi rodeado por uma luz branca e a deusa sumiu em uma explosão luminosa.

Continuei a andar pela floresta, saber que os titãs haviam se libertado era algo preocupante, no passado os titãs governavam soberanos, porem Zeus o poderoso deus dos trovões liderou os demais deuses seus irmãos em uma guerra contra eles, a guerra durou séculos, no final os deuses saíram vitoriosos, eles aprisionaram os titãs no tártaro que era um lugar vazio uma espécie de prisão.
Depois de terem vencido a guerra os deuses se fixaram no topo do monte Olimpo e a partir daí começaram o seu reinado, que durou milênios, agora porem o reinado deles estava ameaçado pelos titãs.
Essa era uma historia conhecida por quase todos os deuses, porem os deuses que lutaram nessa guerra eram apenas os deuses gregos, um pequeno núcleo de deuses se comparado a infinidade de divindades existentes.
Eu avistei no horizonte a cidade de Cernos, era para la que eu me dirigia, uma cidade grande e majestosa, Cernos era conhecida como a cidade da luz, uma cidade enorme com templos majestosos feitos de ouro, bibliotecas que reuniam livros de todas as áreas do conhecimento humano, e é claro em uma cidade tão bela e majestosa, estavam presentes pessoas igualmente majestosa, a cidade era famosa por seus grandes artistas, filósofos, cientistas e magos, e entre todas essas pessoas ilustres havia apenas uma que me interessava.
Cerridwen ainda se lembrava da animada e sempre cheia de vida sarcedotisa que conhecera a quatrocentos anos atrás, era uma garota radiante e sempre bem humorada, a deusa havia lhe dado juventude eterna, e em troca pedira apenas que ela lhe ajuda-se caso um dia precisasse de ajuda, e esse dia enfim havia chegado.

*****

Ouro era um metal tão belo, era isso que Ewien pensava enquanto observava as belas e bem trabalhadas estatuas de ouro do templo do sol, o maior e mais belo templo da cidade de Cernos. A sarcedotisa não era tão radiante e bem humorada como no tempo em que conhecera Cerridwen, os vários anos de vida só a tornaram uma pessoa entediada na maioria do tempo, ate porque tinha que ficar presa naquele maldito templo todos os dias de sua preciosa eternidade, que agora não parecia tão mais preciosa assim.
Ewin caminhava pelos corredores do templo, observando as escultas de ouro polido, elas retravam animais, veados, cavalos, serpentes, javalis, e uma enorme variedade de bichos, o problema era que após quase quatrocentos anos de vida a maioria deles confinada naquele majestoso templo era impossível continuar a admirar o ouro, ela acordava e dormia todos os dias vendo a porcaria do ouro reluzir, a visão do metal era tediosa, se dependesse dela,  tiraria todo aquele ouro dali e substituirá por bronze ou prata, porem o ouro simbolizava o sol, e então o templo do sol tinha que ser dourado, a conseqüência disso era que ela teria que conviver com o maldito ouro por mais quatrocentos anos, ou sabe-as la quanto tempo, pois.
Ewien não era exatamente uma mulher bela, seus cabelos eram pretos bem curtos, seu corpo não era volumoso, ela era baixinha como uma adolescente, seus seios não eram muito fartos, na verdade eram pequenos, tanto ouro pensava ela, trocaria todo ele por seios maiores e um corpo esbelto e escultural, e os seus olhos eram negros, podia acreditar nisso, negros? Porque não nascera com reluzentes olhos azuis como o mar, ou olhos verdes e penetrantes como esmeraldas? Ela realmente não tinha muita sorte.
Como não podia ter a beleza que tanto almejava Ewien contornava esse problema com a sensualidade, e era isso que a tornava atraente mesmo com aquele corpinho de menina irritante, ela vestia uma um tecido simples de cor castanha, o tecido era semi-transparente, e revelava uma parte generosa do seu corpo, porem não tudo, isso fazia com que a imaginação fértil de quem a visse visualizasse um corpo belo e perfeito por trás daquele fino tecido, assim era melhor, a imaginação era bem mais bela que a realidade, como ficariam decepcionados os seus admiradores se a vissem nua? Nossa como ela odiava aquele corpinho pequeno!
Foi pensando nisso que Ewien a sarcedotisa mãe do templo do sol andava de forma distraída pelos corredores do templo, ouro, ouro e mais ouro, era tudo que ela via no templo, e pensar que na primeira vez que vira o templo so faltou desmaiar de emoção ao ver tanto ouro junto, hoje porem aquela visão não lhe provocava emoção nenhuma, vez ou outra ela via uma das sarcedotisas caminhando pelo templo, todas vestindo roupas de cor amarela claro, uma das sarcedotisas passou por ela e a cumprimentou com uma reverencia
- Senhorita Ewien você esta magnífica hoje. – disse a moça em tom formal.
- Sim, sim... ouço isso todo dia a mais de quatro séculos... vocês poderiam pelo menos variar nos elogios – disse Ewien em tom de tédio.
A outra sarcedotisa, uma moça de míseros quinze anos que era mais alta que ela e possuía longos cabelos cor de mel, ficou muito se graça com o comentário, ela se desculpou nervosamente.
- Me perdoe senhorita Ewien... – disse moça corando olhando para baixo.
- Tudo bem... – disse Ewien com sua voz tediosa – eu irei para os meus aposentos, trate de não deixar ninguém entrar!
- Sim senhora.
Ewien se dirigiu para o seu quarto, era o aposento mais belo de todo o templo, afinal de contas era o aposento da sercedotisa mãe, a autoridade religiosa mais respeitada, ali em Cernos, a sarcedotisa mãe tinha um poder maior ate mesmo do que o rei.
Ewien fechou a porta do seu quarto e foi ate uma estante pegar um livro para ler, estava precisando se acalmar um pouco e os livros eram sempre um ótimo remédio.
Mal a sarcedotisa abriu o livro ela ouviu o som da porta do seu quarto se abrindo.
- Eu disse para não deixar ninguém entr...! – Ewien se calou ao ver quem havia adentrado no templo, um sorriso de felicidade e malicia surgiu em seus lábios.
Ela viu na entrada do seu aposento uma bela mulher de cabelos brancos como a neve, era a deusa Cerriwden ela reconheceria a deusa em qualquer lugar e em qualquer época, ao lado da deusa estava... ah aquela sarcedotisa chata e bajuladora, Ewien não deu muita atenção para ela, apenas fez um gesto dispensando a moça.
- Não é que a lua veio me visitar. – disse Ewien com uma expressão divertida no rosto cheio de malicia.
- Uma visita rápida Ewien, e não me olhe com esses olhos cobiçosos já lhe dei juventude eterna, não me peça mais.
Ewien fez um biquinho de insatisfação.
- Ahhh!! Por favor Cerriwiden!! Em nome da nossa velha amizade.
Cerridwen conhecia Ewien a muito tempo, e sabia que apesar dos quatrocentos anos de vida a sarcedotisa ainda agia como uma criança em certos pontos, mas não podia reclamar, gostava do jeito da garota, ela era radiante como um raio de sol. Cerridwen observava a garota fita-la com olhos ansiosos, como uma criança que espera um doce, bem era melhor fazer a vontade dela.
- Tudo bem, Ewien diga logo o que quer, mas eu não sou um gênio da lâmpada, não vá esperando um terceiro desejo.
Ewien pulou de felicidade e abraçou a deusa com carinho.
- Queria um corpinho mais sensual, você poderia aumentar meus seios sabe, não muito, não quero parecer que carrego duas melancias, ah e um corpinho mais volumoso também. – disse ela animada.
- Não posso fazer isso Ewien, esta alem dos meus poderes.
            - Que espécie de deusa você é? Me da juventude eterna, agora algo simples como um corpo bonito esta fora dos “seus poderes”?
            Cerridwen saiu do abraço devagar.
            - Que espécie de deusa eu sou? Não uma da beleza pode ter certeza disso.
            Ewien ficou com um ar triste e foi ate sua enorme cama, deitando-se com uma expressão desanimada, se nem uma deusa poderia lhe dar uma solução para aquele problema ela estava condenada aquele corpo de menininha ate os fins dos tempos.
            - Bem... então, o que a magnífica deusa Cerridwen, deusa da lua, protetora das bruxas e tudo mais... quer de mim? 
            - Quero que você me diga aonde esta o deus do sol, preciso falar com ele.
            Ewien riu como uma menininha que houve uma piada muito engraçada.
            - O deus do sol Cernunos?! Desculpe amiga esta alem dos meus poderes! – disse rindo, repetindo o que a deusa tinha dito a instantes atras.
            - Cerridwen se aproximou da sercedotisa, os olhos em uma mascara fria de fúria.
            - Temos um trato sarcedotisa, quer que eu retire sua eternidade?
            Ewien riu se debruçando na cama.
            - Isso é tentador, talvez eu peça isso mesmo! – disse entre risinhos – Mas é serio Cerridwen eu realmente não posso fazer o que você me pede.
            - Não? Que espécie de sarcedotisa você é?
            Ewien riu e respondeu em tom animado.
            - A sarcedotisa mãe do templo do sol.
            - Que fala diretamente com o deus do sol, e transmite suas palavras de sabedoria para o rei e para os cidadãos da cidade. – disse Cerridwen com ironia.
            - Pois é... mas nos últimos tempos eu venho tendo uns probleminhas sabe? – disse ela animada, se sentando na cama.
            - Que problemas...? – perguntou a deusa intrigada.
            - Bom... eu falo com o deus do sol, só que ele não responde.
            - Então como você pode repassar as palavras do deus para o povo? Fica em silencio?
            Ewien riu com malicia.
            - Eu minto, descobri que sou muito boa nisso! Ou talvez eles que sejam tão tolos que acreditem em qualquer coisa que eu diga.
            - A quanto tempo você mente para eles Ewien...?
            Ewien ficou em silencio calculando mentalmente a resposta para a pergunta da deusa, por fim ela fez um movimento com os ombros sinalizando duvida e disse.
            - Uns cento e sessenta... ou cento e oitenta anos... não sei ao certo, esse negocio de eternidade nos faz perder a noção do tempo.
            Isso havia sido uma completa perda de tempo, Cerridwen pensava que Ewien lhe traria respostas mas a sarcedotisa não estava ligando muito para os seus deveres, impaciente a deusa já ia embora quando se lembrou de outra questão em que Ewien poderia lhe ajudar.
            - Ewien você conhece um deus chamado Kalazar?
            - Kalazar? A sim... não era um deus que vivia em uma vilazinha pacata?
            Cerridwen concordou com um aceno com a cabeça.
            - Sim, ele vivia.
            Ewien se levantou da cama em um salto, sua expressão mudara estava pela primeira vez seria.
            - Você o matou?! Por favor Cerridwen não diga que você fez isso!!
- Foi preciso... – disse a deusa com frieza e raiva ao se lembrar do falecido deus da caça.
Ewien deve ter compreendido que fora realmente preciso fazer isso porque não disse mais nada, a sarcedotisa se dirigiu ate uma mesinha e pegou uma adaga de ouro, a lamina era irregular, como se alguém houvesse arrancado pequenas pedaços da lamina.
- Me siga – disse a sarcedotisa.
Cerridwen a seguiu, as duas saíram do quarto da sarcedotisa e caminharam pelo longos e intermináveis corredor, passaram por algumas estatuas de ouro, e por algumas vezes viam alguma outra sarcedotisa, elas sempre cumprimentavam Ewien mas ela não respondia, estava seria demais, seria demais pensava Cerridwen, isso não era bom.
Elas começaram a entrar em uma área bastante isolada do templo, Cerridwen não via mais sarcedotisas ou esculturas de ouro, andavam apenas por um corredor vazio, acompanhadas apenas pelos sons de seus próprios passos.
Por fim elas se depararam com uma enorme porta de ouro, no centro da porta havia um pequeno orifício, a sarcedotisa enfiou a lamina da adaga dourada no orifício e a girou, um sonoro click foi ouvido e a porta havia sido destrancada.
- Pensei que essa adaga era um Athame. – comentou a deusa, os athames eram adagas usadas por bruxas e sarcedotisas em rituais. – nunca imaginei que fosse uma chave.
- É as duas coisas. – disse Ewien empurrando a pesada porta de ouro.
A sala a qual elas entraram era uma biblioteca, uma enorme biblioteca, com grandes estantes todas de dez metros de altura e recheadas de livros. Eram uma variedade enorme de livros, Cerridwen pensou em quantas décadas levaria para ler todos aqueles livros.
- Tinha esquecido como era grande... – disse Ewien com um breve sorriso, fazia tempo que ela não vinha ali – vou demorar um pouco para achar o livro que quero te mostrar você se incomoda em esperar?
- Tenho toda a eternidade, mas ficaria grata se você fosse rápida.
Ewien sorriu, e foi ate uma pequena estante, ela estava em um local especial, afastado das demais e continha apenas sete livros.
- Aqui guardamos os livros de registros, temos todos os livros catalogados, assim podemos saber perfeitamente aonde se encontram. – disse Ewien enquanto abria um dos livros e o folheava.
Cerridwen começou a andar um pouco, preferia esperar fazendo algo do que parada, a deusa percorreu as fileiras de livros vendo os inúmeros títulos diferentes, estava se afastando da amiga e adentrando mais e mais naquela floresta de livros.
Cerridwen não conseguiu evitar um sorriso de satisfação quando viu um livro que falava especialmente sobre ela.
- Existe um livro sobre mim aqui! – gritou a deusa para que Ewien pudesse ouvir.
- Querida – gitou Ewien de forma sarcástica, de um local distante da biblioteca – existe uma estante inteira de livros sobre você!
E era verdade, Cerridwen continuou a observar os livros daquela estante e todos falavam sobre ela. A deusa pegou um dos livros da estante e o abriu, antes que pudesse ler porem a voz de Ewien a interrompeu, Cerridwen levou um susto ao perceber que a voz vinha bem de perto dela, a sarcedotisa estava do seu lado.
- Esse não é bom – disse Ewien com seu jeito leve e despreocupado tocando no livro nas mãos de Cerridwen – e a leitura é muito cansativa. A propósito já encontrei onde esta o livro que procurava, vamos ate ele? É um pouco distante daqui, vamos ter que caminhar um pouco.
- Como você sabe? Você leu todos os livros dessa biblioteca? – perguntou sem conter a surpresa, haviam tantos livros ali.
Ewien deu mais um de seus risinhos que ecoaram por toda a biblioteca vazia, pegando o livro com cuidado a sarcedotisa o devolveu a estante.
- Não, mas eu li todos os livros sobre você.
- Fico honrada, sou tão interessante assim?
Ewien sorriu e tocou com carinho na face da deusa, aquele foi um gesto simples, mas Cerridwen se lembrou com aquele mero gesto o quanto gostava da sarcedotisa, e percebeu o quanto sentiu a falta dela.
- É muito interessante, mais ainda quando esta ao meu lado, ao invés de pensar em você apenas lendo os livros.
Cerridwen sorriu, o sorriso saiu mais natural do que ela imaginara.
- Entendo, se um dia escreveram um livro sobre você irei ficar com ele, seria como ter você um pouco perto de mim.
Ewien riu novamente e voltou a andar, Cerridwen a seguiu.
- Mas Cerridwen já escreveram um livro sobre sim! – disse ela animada.
- Verdade? Espero que tenha sido bem escrito e que retrate você bem, já vi muitos livros sobre mim que me mostravam como uma deusa sombria que realizava orgias infernais, uma imagem bem distorcida minha não acha?
- Verdade – disse Ewien enquanto desfilava por entre as prateleiras com a deusa a segui-la – Mas o meu livro não tem esse problema, me retrata fielmente como eu sou.
- O autor deve ter lhe conhecido muito bem. – disse a deusa olhando de relance para os títulos dos livros nas prateleiras, haviam livros muito famosos ali, e livros únicos também.
- Claro que conhece, você acha que eu mesma não me conheceria?
Cerridwen ficou confusa sem entender o que a amiga havia dito, ela já ia perguntar o que ela queria dizer quando finalmente compreendeu as palavras da sarcedotisa
- Você escreveu um livro sobre você mesma?
- Sim! – disse a sarcedotisa em tom animado – e advinha só? Me retratei como uma mulher bela como um corpo generoso e pele macia. – disse ela dando uma piscadela com um dos olhos.
Cerridwen apenas sorriu, parecia que a garota queria mesmo um corpo mais avantajado, decidiu que ia dar isso a amiga de presente, ela não podia dar a ela um corpo mais bonito, mas conhecia alguém que conhecia alguém que poderia fazer isso, essa era mais uma das vontades de ser uma deusa, se tinha muitos amigos.
E muitos inimigos também disse uma voz em sua cabeça, ela se lembrou de Kalazar.
- Chegamos. – disse Ewien – sessão 2316-B, aqui esta o livro que queria te mostrar.
Ewien se esticou para alcançar o livro, era cômico ver a garota com seu corpo de baixa estatura se esforçando para alcançar um livro que nem estava em um local tão alto assim.
- Livro maldito!! Eles sempre ficam nas prateleiras altas!
Cerridwen se divertiu observando o esforço inútil da amiga para alcançar o livro, Cerridwen se aproximou e pegou-o com facilidade.
- “Os quatro descendentes de Norlleus”? – Cerridwen leu o titulo curiosa.
- Trés, você matou o caçula. – disse Ewien pegando o livro das mãos da deusa.
- Então esse livro conta a historia de Kalazar...?
Ewien folhava as paginas do livro distraída, ela respondeu de forma mecânica a deusa sem nem sequer olhar para ela.
- Sim, conta inicialmente a historia de Norlleus, de seu nascimento, sua ascensão e sua morte, e de como através de sua morte nasceram os quatro deuses, cada um sendo um fragmento da personalidade do antigo deus.´
Dito isso a sarcedotisa deu o livro a Cerridwen, ele estava aberto em uma pagina que continha uma gravura, era uma imagem com traços simples e retratava quatro seres disformes rastejando em uma poça de sangue e pedaços de um corpo mutilado.
- Que imagem linda. – disse a deusa com sarcasmo.
- Maravilhosamente bela, retrata o nascimento dos quatro descendentes de Norlleus, Kalazar era um deles.
- Suponho que os outros três não ficarão muito felizes quando souberem da morte dele. – disse Cerridwen, ela era uma deusa poderosa, mas se os outros três deuses a atacassem ao mesmo tempo, as chances de sobrevivência eram mínimas.
- Eles já sabem, os quatro deuses são na verdade apenas um... quando um deles morreu todos os outros sentiram, estão todos ligados.
            - Me explique melhor Ewien, quem são esses deuses, isso esta muito confuso e não faz muito sentido, se eles são apenas um, porque Kalazar vivia isolado em uma vila distante do mundo?
            Ewien pegou livro de minhas mãos e foi caminhando pela biblioteca, eu a segui e logo chegamos em uma área com varias mesas e cadeiras, próprias para os estudiosos lerem com calma seus livros, ela se sentou em uma das cadeiras, e eu me sentei de frente para ela.
            - Vou explicar Cerridwen, esta tudo aqui – ela disse dando um tapinha no livro – pronta para ouvir uma historia? – disse ela animada com um tom de voz dócil.
            - Adoro historia, sou a deusa do caldeirão do conhecimento não sou?
            Ela riu e abriu o livro na sua primeira pagina.
            - Ewein não precisa ler para mim como se eu fosse uma criança que você bota para dormir, apenas me de o livro que eu mesma leio.
            - Não! – disse ela animada como sempre – É mais divertido assim, e eu sei contar uma historia muito bem! Alem do mais vai ser bom porque vamos ficar um bom tempo juntas.
            - Tudo bem Ewien pode contar a historia, mas olhe o tamanho desse livro, você vai ler ele todo de uma vez? Vai demorar dias.
            Ela fez um gesto com os ombros demonstrando descaso.
            - Para quem tem a eternidade como nos, o que são alguns míseros dias? – e dito isso ela abriu o livro e começou a leitura.


            Os quatro descendentes de Norlleus
...
...
...
Ele não sabia ao certo quando havia deixado de ser humano e passado a natureza divina, a transição entre o humano e o divino era intensa, é semelhante a morte, era isso que ele achava embora nunca houvesse morrido, porem ele já havia ido ao mundo dos mortos, ou melhor a um dentre os vários mundos dos mortos existentes, e la ele falou com os mortos, e eles lhe disseram como era morrer.
Era como cair, na mais profunda escuridão, e não havia luz, não apareciam anjos para guiá-lo a um reino de paz, havia apenas o vazio.
Morrer era basicamente isso, mas com duas pequenas diferenças, a primeira delas é que você não se sentia caindo, era o oposto você se sentia sendo elevado, como se seu corpo flutuasse, porem estava sozinho na escuridão e não havia nada nem ninguém a seu lado, era triste mas ao mesmo tempo dava uma sensação de paz indescritível.
Depois de você tanto subir, flutuando nessa imensa escuridão você sentia tudo iluminar e de repente... Você sabia que não era mais a mesma pessoa.
A sensação de se tornar um deus é como a de renascer e talvez por isso seja tão semelhante a sensação de morrer. Quando me tornei um deus as lembranças de minha vida como humano se tornaram distantes e confusas, como se tivessem acontecido a séculos atrás...

- Isso que esta escrito é verdade, a sensação é mesmo essa – disse enquanto observava atenciosamente Ewien que lia o livro de forma dramática, era como ouvir a uma musica triste, tinha que admitir ela sabia mesmo como contar uma historia.
Ewien bufou irritada.
- Você esta interrompendo minha leitura! Espero ao menos os fins de parágrafos para interromper, agora você acabou com o clima.
- Mas como eu vou saber aonde acabam os parágrafos se o livro esta nas suas mãos?
- Não importa apenas não interrompa, agora esta ficando bom! – disse ela animada voltando a leitura.

... a sensação que tive ao me tornar um deus foi a de perfeição, eu era completo, único e poderoso, com o passar dos anos fui descobrindo os meus poderes ao mesmo tempo que descobria mais sobre a minha condição divina, eu percebi que simples espadas não me feriam, o fogo ardia em minha pele me causava dor, mas era uma dor tão pequena e insignificante, que nem sequer me incomodava, com os anos percebi que eu não mais ficava doente e que meu corpo era imune a ação do tempo, eu era eterno.
Vivi por milênios, viajando por vários mundos, conhecendo vários deuses, em minha existência divina encontrei muitas das respostas que não tinha quando humano, porem junto com cada resposta vinham varias novas perguntas.
Conheci vários deuses e bruxos, vi civilizações serem criadas e encontrarem a sua ruína, e aonde tudo isso me levou? Me sinto tão ignorante quando alcancei a minha divindade, pensei que a eternidade me traria conhecimento mas quando mais vivo mais eu percebo o qual pequeno eu sou, e que todo o conhecimento que possuo não passa de uma gota de água dentro de um enorme oceano.
A eternidade é uma ilusão, ela nada nos trás de bom, apenas mais sofrimento e dor, por isso eu percebi que a única dádiva que nos podemos receber é a morte, a morte é o fim de tudo e é a paz suprema.

Ewien fez uma pausa e mercou a pagina para depois fechar o livro, ela suspirou, estava cansada e eu também, estávamos lendo o livro havia quase quatro horas.
- Bom, no final das contas ele se suicidou e dos restos do seu cadáver nasceram quatro deuses.
Isso foi um pouco surpreendente de ouvir, nunca havia ouvido falar de um deus que havia se matado, mas pensando bem ele não havia realmente morrido não era? Havia renascido como novas entidades, quatro novos deuses, e isso já não era tão incomum, Afrodite por exemplo a deusa grega do amor nasceu através das genitais de seu pai que foram jogadas no mar.
Eu me levantei da mesa e estendi a mão na direção de Ewien.
- Preciso desse livro Ewien, quero ler ele todo, mas não pretendo ficar aqui.
Ewien respondeu como se pedisse desculpas.
- Não posse lhe dar o livro Cerridwen, mesmo você sendo uma deusa.
- Não preciso que me de ele, só o quero emprestado por alguns dias depois eu lhe devolvo.
Mesmo assim ela ainda não estava satisfeita, ela não queria me dar o livro mas também não estava com vontade de me contrariar, eu quase podia ouvir a intensa guerra que ocorria dentro da cabeça da sarcedotisa, enquanto ela tentava decidir o que fazer.
- Desculpe... desculpe mesmo Cerridwen mas não posso, os livros não são meus, são do templo se um deles sumir eu estarei em uma péssima situação, talvez cortem a minha cabeça, e eu gosto muito dela no lugar aonde esta!
Eu apenas ri de forma descontraída.
- Não acho que vão sentir falta de um livrinho entre um milhão deles, e eu já disse é só um empréstimo depois eu lhe devolvo.
Ela ainda estava em duvida mas enfim cedeu ao meu pedido.
- Tudo bem, mas devolva ele inteiro entendeu? Este livro é único, e só para constar essa biblioteca tem muito mais que um milhão de livros,
Ela me deu o livro, eu o segurei com firmeza usando as duas mãos, ele era muito antigo, as paginas estavam amarelas e com as pontas quebradiças mas ele parecia em ótimo estado.
- Obrigada, eu preciso ir agora Ewien foi bom te ver.
- Não espere mais quatrocentos anos para me ver de novo, me visite com mais freqüência, é bom ter companhia de vez em quando.
- Farei isso.
Nos saímos juntos da antiga biblioteca, Ewien fechou a porta com sua adaga dourada, ela me acompanhou ate a saída do templo e nos despedimos, eu não havia conseguido completar o meu objetivo principal, Cernunos o deus do sol a quem eu tanto busco e esta a mais de um século desaparecido conti enua no anonimato, Ewien era minha principal pista para encontrá-lo mas ela como eu nada sabia sobre o paradeiro do deus do sol.
Por hora porem eu teria que deixar esse objetivo de lado e me preocupar com minha sobrevivência, é difícil se concentrar em algo tendo três deuses vingativos tentando matar-me.
Eu abracei o livro que Ewien me emprestou com força, eu sempre soube que em uma guerra conhecimento é poder, muitas vezes um bom livro carregado de informações pode ser muito mais valioso do que uma espada, pois o conhecimento é minha melhor arma e eu irei usa-lo da melhor forma possível para sobreviver, afinal, não foi o meu poder e sim a minha inteligência que me fez sobreviver durante tantos milênios e eu espero que ele me proteja mais uma vez.
Eu me lembrei da conversa que tiver com Artemis mais cedo, as palavras da deusa ecoaram na minha cabeça são tempos dificies cerridwen fora isso que ela disse, e ela estava certa, são tempos difíceis, muito difíceis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário aqui!